O teorema da responsabilidade e suas consequências
Desvendado o mistério - Descoberto o verdadeiro culpado pelo que deu errado em sua vida.
No segundo semestre de 2010, fiz um curso de desenvolvimento pessoal, que durou um fim de semana inteiro. Disseram-nos, durante uma longa palestra, que, naquele dia, conheceríamos o verdadeiro responsável por todas as coisas que não ocorreram, na nossa vida, como gostaríamos. Os palestrantes instigaram a gente, fazendo-nos crer que poderíamos, enfim, saber o nome do culpado de tudo.
O que você faria se ficasse frente a frente com o responsável por todas as mazelas e infortúnios da sua vida? Vingar-se-ia? Daria uma sova nessa pessoa? Cometeria o irreversível pecado capital?
Depois de horas de palestra, fomos postos em fila, que terminava numa espécie de biombo. Atrás do tapume, teríamos a revelação sobre quem seria essa pessoa. Quem estaria lá? Nossos progenitores? Nossa paixão de infância que riu da nossa cara quando revelamos o nosso amor? O grandalhão que não nos deixava sair à rua, quando crianças? O examinador que corrigiu a nossa prova, quando prestamos vestibular pela primeira vez? O colega de trabalho que ficou com o cargo que almejávamos, logo no início da nossa carreira?
Não, nenhum deles estava lá. Esses, que vieram à nossa imaginação, estavam muito longe dali e, muitos deles, provavelmente, sequer lembravam-se da nossa existência ou, quem sabe, nem estivessem mais nesse plano físico carnal, apesar de continuarem a figurar como vilões no sistema de defesa que criamos para conjecturar que o culpado são os outros. Sim, porque há uma tendência natural do ser humano de acreditar que o mérito dos sucessos é nosso e o dos insucessos é alheio.
Julgamos os outros pelos atos concretos praticados, todavia queremos ser julgados por nossas intenções. Entretanto, devemos ser coerentes: se somos motivadores das vitórias que nos dão aquele prazer delicioso da adrenalina, também somos causadores das intempéries, quando o nosso cavalo fica pra trás na corrida de jockeys da vida.
Chegou a minha vez e, então, pude vislumbrar a minha cara de néscio refletida no espelho que me aguardava, atrás do tabique.
Já ouvi dizer que somos consequências de tudo o que vivemos até hoje, mas essa definição de “quem somos nós” é imperfeita, creio eu, porque, além do que o mundo exterior nos oferta, existe, também, a nossa maneira de enxergar as coisas, de abstrair. Em verdade, somos consequências da forma como escolhemos enxergar o que nos acontece. É só você que pode decidir se o copo está meio cheio ou meio vazio. A escolha é sua. Num mundo repleto de acontecimentos que fogem ao nosso controle, aquilo que chamamos realidade parece um filme a que já assistimos no passado.
Graças à repetição natural dos eventos, tornamo-nos hábeis para conceber a padronização do que ocorre. A partir daí, podemos escolher como nos posicionar diante das circunstâncias. Como reagir? Interferiremos quando defrontarmo-nos com uma injustiça que afeta os outros? Seremos individualistas e não nos meteremos em questões que fogem aos nossos interesses pessoais?
No livro “O caçador de pipas”, de Khaled Hosseini, ao fugirem do Afeganistão, numa carroceria de caminhão, com dezenas de retirantes, durante a guerra com a Rússia, um personagem intervém para impedir que uma moça, acompanhada do noivo, que ele nem conhecia, fosse estuprada por um soldado russo. O filho do homem disse “pai!”, numa tentativa inócua e egoísta de impedir que o seu genitor arriscasse a sua vida ao interferir num problema que não lhe dizia respeito. A admoestação do pai veio aos berros: “Parece que você não aprendeu nada comigo! Prefiro morrer a compactuar com uma sem-vergonhice dessas!”.
São essas e outras decisões que tomamos que nos moldam e fazem-nos ser quem fomos, quem somos e quem seremos. Será que há pessoas que nascem boas e outras que nascem más? Existe um gene ou índole do mal? Ou será que são as coisas que escolhemos fazer que definem se somos bons ou maus?
Uma pessoa que costuma fazer o bem pode, eventualmente, fazer o mal e vice-versa, porém, se lembrarmos que somos seres de hábitos, chegaremos à conclusão que, insistindo em atos bons ou em atos ruins, terminaremos por acostumarmo-nos a agir de determinada forma, a sermos de um determinado jeito, arraigando o arquétipo das nossas práxis. Criemos o hábito, pois.
Se podemos eleger o nosso íntimo, por que não desatar a ser o ser humano que o nosso cachorro pensa que somos? E as adversidades e violências do mundo, tentar-nos-ão a mudar de lado ou, simplesmente, desistir, mas a escolha será, exclusivamente, nossa.
Marcelo Garbine
A versão em áudio deste texto – transmitida pela Rádio WRA de Santo André – SP – e pela Rádio Além Fronteiras de Portugal – pode ser ouvida na subseção Crônicas para Rádio da Seção Rádios deste site. Nesta adaptação, o título é "Os sinais do Universo".
Veículos de mídia impressa ou eletrônica interessados em publicar este texto podem entrar em contato.
No segundo semestre de 2010, fiz um curso de desenvolvimento pessoal, que durou um fim de semana inteiro. Disseram-nos, durante uma longa palestra, que, naquele dia, conheceríamos o verdadeiro responsável por todas as coisas que não ocorreram, na nossa vida, como gostaríamos. Os palestrantes instigaram a gente, fazendo-nos crer que poderíamos, enfim, saber o nome do culpado de tudo.
O que você faria se ficasse frente a frente com o responsável por todas as mazelas e infortúnios da sua vida? Vingar-se-ia? Daria uma sova nessa pessoa? Cometeria o irreversível pecado capital?
Depois de horas de palestra, fomos postos em fila, que terminava numa espécie de biombo. Atrás do tapume, teríamos a revelação sobre quem seria essa pessoa. Quem estaria lá? Nossos progenitores? Nossa paixão de infância que riu da nossa cara quando revelamos o nosso amor? O grandalhão que não nos deixava sair à rua, quando crianças? O examinador que corrigiu a nossa prova, quando prestamos vestibular pela primeira vez? O colega de trabalho que ficou com o cargo que almejávamos, logo no início da nossa carreira?
Não, nenhum deles estava lá. Esses, que vieram à nossa imaginação, estavam muito longe dali e, muitos deles, provavelmente, sequer lembravam-se da nossa existência ou, quem sabe, nem estivessem mais nesse plano físico carnal, apesar de continuarem a figurar como vilões no sistema de defesa que criamos para conjecturar que o culpado são os outros. Sim, porque há uma tendência natural do ser humano de acreditar que o mérito dos sucessos é nosso e o dos insucessos é alheio.
Julgamos os outros pelos atos concretos praticados, todavia queremos ser julgados por nossas intenções. Entretanto, devemos ser coerentes: se somos motivadores das vitórias que nos dão aquele prazer delicioso da adrenalina, também somos causadores das intempéries, quando o nosso cavalo fica pra trás na corrida de jockeys da vida.
Chegou a minha vez e, então, pude vislumbrar a minha cara de néscio refletida no espelho que me aguardava, atrás do tabique.
Já ouvi dizer que somos consequências de tudo o que vivemos até hoje, mas essa definição de “quem somos nós” é imperfeita, creio eu, porque, além do que o mundo exterior nos oferta, existe, também, a nossa maneira de enxergar as coisas, de abstrair. Em verdade, somos consequências da forma como escolhemos enxergar o que nos acontece. É só você que pode decidir se o copo está meio cheio ou meio vazio. A escolha é sua. Num mundo repleto de acontecimentos que fogem ao nosso controle, aquilo que chamamos realidade parece um filme a que já assistimos no passado.
Graças à repetição natural dos eventos, tornamo-nos hábeis para conceber a padronização do que ocorre. A partir daí, podemos escolher como nos posicionar diante das circunstâncias. Como reagir? Interferiremos quando defrontarmo-nos com uma injustiça que afeta os outros? Seremos individualistas e não nos meteremos em questões que fogem aos nossos interesses pessoais?
No livro “O caçador de pipas”, de Khaled Hosseini, ao fugirem do Afeganistão, numa carroceria de caminhão, com dezenas de retirantes, durante a guerra com a Rússia, um personagem intervém para impedir que uma moça, acompanhada do noivo, que ele nem conhecia, fosse estuprada por um soldado russo. O filho do homem disse “pai!”, numa tentativa inócua e egoísta de impedir que o seu genitor arriscasse a sua vida ao interferir num problema que não lhe dizia respeito. A admoestação do pai veio aos berros: “Parece que você não aprendeu nada comigo! Prefiro morrer a compactuar com uma sem-vergonhice dessas!”.
São essas e outras decisões que tomamos que nos moldam e fazem-nos ser quem fomos, quem somos e quem seremos. Será que há pessoas que nascem boas e outras que nascem más? Existe um gene ou índole do mal? Ou será que são as coisas que escolhemos fazer que definem se somos bons ou maus?
Uma pessoa que costuma fazer o bem pode, eventualmente, fazer o mal e vice-versa, porém, se lembrarmos que somos seres de hábitos, chegaremos à conclusão que, insistindo em atos bons ou em atos ruins, terminaremos por acostumarmo-nos a agir de determinada forma, a sermos de um determinado jeito, arraigando o arquétipo das nossas práxis. Criemos o hábito, pois.
Se podemos eleger o nosso íntimo, por que não desatar a ser o ser humano que o nosso cachorro pensa que somos? E as adversidades e violências do mundo, tentar-nos-ão a mudar de lado ou, simplesmente, desistir, mas a escolha será, exclusivamente, nossa.
Marcelo Garbine
A versão em áudio deste texto – transmitida pela Rádio WRA de Santo André – SP – e pela Rádio Além Fronteiras de Portugal – pode ser ouvida na subseção Crônicas para Rádio da Seção Rádios deste site. Nesta adaptação, o título é "Os sinais do Universo".
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Essa também é legal!
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