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Sexo ou livro? Eis a questão...
I – Definindo a prioridade:

Ê, laiá! Lá vou eu de novo! Que droga! Detesto ir ao banco. Com toda a tecnologia de hoje e ainda há pepinos que não podem ser resolvidos pelo telefone ou pela internet. Dou graças por essa agência bancária ficar ao lado de uma livraria...

Larguei todos os meus livros na casa da Vanessa. Enquanto ela não quiser atender-me e todas as minhas tentativas de contato forem arremessadas pro diabo da caixa postal, eu não conseguirei pedir pra que os deixe na portaria do condomínio pra que eu passe lá e resgate-os. É uma boa oportunidade pra comprar livros fresquinhos com cheiro de tinta de impressora.

Perdi a minha namorada e todo o meu acervo literário – o último, temporariamente, assim espero – mas não perco o vício de tentar achar, tipografados, despejados em papéis que, um dia – assim como eu – ao pó irão retornar, ensinamentos da salvação, que me apontem rumos inexplorados pra redirecionar a minha dispersa existência na Terra.

Finjo não ter consciência de que a resposta está aqui mesmo, dentro de mim, bem na frente do meu nariz, e teimo em caçar doutrinas em calhamaços amarelentos e infectados com micróbios. É um método intelectualoide pra ser medíocre como qualquer outro mortal, porém mascarado, escondido atrás de volumes de páginas empoeirados. Por isto, eu sinto mais a falta dos meus livros do que da Vanessa.

Dizem que não devemos colocar a Vagina num pedestal. Lidar com a Vagina como algo trivial e corriqueiro é a melhor estratégia pra preservá-la como sua.

Se dermos muita importância a Ela, perdê-la-emos, pois a Vagina odeia ser idolatrada como Deusa com tanta chatice. Então, a partir de agora, chamá-la-ei de vagina – com letra minúscula – pra ver se conservo a próxima com a qual tiver algum affair.

Caso a vagina perceba o meu desprendimento, sentir-se-á rejeitada e esforçar-se-á pra ser minha... só minha! Joguinhos e desafios é o que elas querem, portanto é isto que lhes oferecerei, por mais idiota que eu considere este entretenimento. O prazer sexual – de forma intrínseca – nunca vai ser suficiente. Brincaremos, pois.

Entretanto, vamos por ordem de relevância: primeiro o meu livro porque não quero ter crise de abstinência. Minhas mãos já estão começando a tremer...

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II – Trabalhando pra solucionar o dilema:

Quase chegando ao banco, passo pela porta da livraria.

– Moça, tem livro do Donald Trump? – indago à balconista loira.

Ela digita no sistema de busca apenas a palavra que conhece a grafia, que, obviamente, é a primeira. Nos resultados, somente links pra Pato Donald.

– O livro que você procura é da Disney, moço? – interrogou-me, quase zurrando.

Oh, dúvida, cruel! Tenho de responder em conformidade com o meu desejo ou empenhar-me pra ser simpático? Saco preso na gaveta dói menos...
Esquece o Trump. Nunca aprenderei a ficar milionário lendo as teorias dele. Só vou ajudá-lo a enriquecer mais.

– Moça, vê se tem ”Pai Rico, Pai Pobre”, do Robert Kiyosaki. É K – I – Y – O – S – A – K – I.

Ela é lerda pra pensar e pra digitar. Sai catando milho no teclado. Digita o K, depois de quatro segundos digita o I e depois de mais quatro segundos digita o Y.

– É K – I – Y e mais o que, moço? – relincha repetidamente a loiríssima.

– K – I – Y – O – S – A – K – I – digo, com o meu estoque de paciência já indo pro beleléu.

– K – I – Y e? – insiste a limitada, como se um mantra fosse.

– Olha, moça, a julgar pela sua encantadora beleza física e precária capacidade racional, eu diria que, com você, ficaria apenas no K. Y. mesmo.

Presumi que ela entendeu o que eu disse como um elogio, pois estampou um sorriso animado e agradeceu. Calculei que, despretensiosamente, havia-me dado bem e dei sequência:

– Você é uma mulher exuberante.

Ela mostrou seu rosto enfurecido:

– Se eu sou exuberante o problema é meu! A exuberância é minha!

– Calma, moça! Não confunda exuberante com ignorante. Eu quis dizer que você é charmosa.

Ela sorriu novamente:

– Ah, sim! Obrigada!

Dei-me conta de que estava perdendo o meu tempo. A Carla Perez pobre não fazia o meu tipo. Sua inteligência quase ausente era irritante demais. Não que eu fosse levar a G. B. R. (gata de baixa renda) ao motel pra inquiri-la acerca do Teorema de Pitágoras, mas me interessa o “antes” e o “depois”.

E, como prometi pra mim mesmo, não mais reservaria à vulva um lugar no auge das minhas cobiças. Portanto, não poderia fazer um sacrifício tão grande assim por uma.

– Moça, este estabelecimento tem muita sorte por tê-la como vendedora devido à sua suprema sapiência, mas não vou mais querer o livro. Muito obrigado.

Parafraseando Raul Seixas, saí pela tangente, disfarçando uma possível estupidez. Ao retirar-me do recinto, observei que a sumidade abandonara, em cima do balcão, uma revista Caras. De maneira evidente, era um objeto pessoal dela, pois a loja não comercializava esses excrementos.

Contudo, lembrei-me de que não havia feito ainda a minha boa ação do dia, então surrupiei aquele exemplar erudito com o intuito de fazer um favor pra beldade. Senti-me como se estivesse tirando um doce de um diabético ou uma arma de perto de um suicida. Enrolei a réstia e envolvi-a em minha axila esquerda. Aí sim, logrei êxito em sair satisfeito daquele prédio comercial, que estava precisando tomar um pouquinho mais de cuidado nas entrevistas de contratação de seus funcionários.

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III – Dando com o burro na água:

Havia de ir ao banco sem livro mesmo. Se houvesse fila, ainda restaria o meu cocuruto meditabundo e a probabilidade de descolar um papo agradável com o infeliz da frente ou com o infeliz de trás, que, assim, como eu, penavam as amarguras de aguardarem a sua vez, numa fila do cão.

Uma fêmea com uma constituição carnal luxuriosa estacionou o seu Citroën C3 vermelho e adentrou o banco. Passei ao lado do automóvel e avistei a obra "Capitalismo, Socialismo e Democracia" do economista austríaco Joseph Schumpeter no assento traseiro. Cri que já tinha com quem conversar na fila. Ingressei no ambiente devagar e posicionei-me bem atrás dela.

Engraçado... aquela roupa espalhafatosa não combina muito com uma mulher que lê Schumpeter.

– Moça, o livro que vi no seu carro despertou a minha atenção.

– O livro não é meu, é da minha irmã.

– Ah, é? E a sua irmã é assim tão linda como você?

Ela fixou a retina em mim com um semblante mais ou menos triste:

– Minha irmã morreu.

Ai! Duas decepções! A primeira foi descobrir que não se tratava de uma mulher escultural e instruída. Estava muito bom pra ser verdade... A segunda foi ter reparado que, mesmo que eu quisesse algo, ficaria difícil manter o clima do diálogo.

Fiquei meio sem ter ideia de como reagir, então externei a primeira bobagem que veio ao meu crânio:

– Os discípulos de Schumpeter são denominados schumpeterianos. Se você acreditar em reencarnação, saberá que, logo, sua irmã nascerá novamente e será um gracioso bebê com uma chupeta na boca, uma autêntica chupeteriana.

Ela me encarou com uma fisionomia tão grave que me deu vontade de enfiar a minha cara num buraco. Deduzi que havia falado a maior merda do mundo. Abri a minha boca pra tentar emendar alguma coisa que me arrebatasse, todavia, antes que as minhas cordas vocais mandassem pra fora qualquer som, ela esbugalhou os globos oculares tresloucadamente e lançou a cabeça pra trás com ímpeto. Imaginei que ela fosse ter um ataque ou algo similar, mas ela deu um grito:

– FAZ SENTIDO!

... E caiu na gargalhada.

Meu Senhor! Não era uma aparência séria, era um aspecto de doente mental! E era a primeira vez na minha vida que ouvia alguém verbalizar que algo fazia sentido antes de por-se a rir. Talvez fosse um comando pra que os rarefeitos neurônios de uma zona cerebral mal desenvolvida seguissem determinado padrão ditado quando não se compreende a comunicação linguística.

Eu estava assustado. Profundamente assustado. Calma, Marcelo, o Universo é sábio. Não é à toa que você está com esta revista Caras molhando embaixo do seu sovaco suado.

– Moça, você quer trocar o livro da sua irmã por esta revista?

Ela franziu a testa e pareceu ter experimentado uma metamorfose, transfigurando-se num bagulho mais esquisito do que o Steven Tyler, o vocalista do Aerosmith. Suponho que, no planeta dela, era o modo usual de manifestar contentamento.

Desta feita, a prima bonita do E. T. gritou:

– SIM!

Quem é da Geração X, assim como eu, levanta a mão! Vocês, com certeza, recordam-se do programa Domingo no Parque, do Silvio Santos. Sabe aquele quadro em que as crianças ficavam dentro de um foguetinho, ouvindo música?

O Silvio Santos perguntava se o menino queria trocar a bicicleta por um chiclete de jiló mastigado e o menino gritava: “SIM!".
Foi exatamente desse jeito que ela gritou quando eu a questionei sobre a troca do livro pela revista: “SIM!”.

Soltei a revista no ar e entreguei-a aos caprichos da Lei de Newton. Chocado, recuei pisando três vezes pra trás e saí do edifício a passos largos, andando ligeiro, quase correndo.

Na rua, bem no acesso da instituição financeira, como se lixo fosse, tropecei no clássico do Dale Carnegie: “Como fazer amigos e influenciar pessoas”.

Com todo o respeito que esta publicação do início do século XX merece, eu preferiria ter encontrado o livro “Como desfrutar vaginas fazendo-se de surdo”.

Mingau Ácido (Marcelo Garbine)

Texto publicado na Revista Literária da Lusofonia – Vigésima Segunda Edição – Páginas 54, 55 e 56.

A versão em animação digital pode ser vista na seção Desenhos Animados deste site.

A versão em áudio deste texto – transmitida pela Rádio WRA de Santo André – SP – e pela Rádio Além Fronteiras de Portugal – pode ser ouvida na subseção Crônicas para Rádio da Seção Rádios deste site.

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Ilustração de Nanci Penna

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